Mostra "As Cuias Aira" tem visitação ao público aberta a partir do sábado, com peças produzidas por mulheres ribeirinhas
Entre as diversas expressões artísticas que se constroem junto a identidade amazônica, há uma que conversa tanto com a culinária quanto a decoração ao longo de muitas gerações: a produção de cuias. Muito além das famosas cuias de tacacá, o produto ganha diversas funções em uma tradição secular que carrega a cara de mulheres amazônidas. A partir desta sexta-feira, 6, esta tradição ganha espaço na exposição “As Cuias Aira”, no Espaço São José Liberto (Praça Amazonas, s/n - Jurunas). A mostra terá vernissage apenas para convidados, mas com transmissão pelo canal do Espaço São José Liberto no YouTube, nesta sexta, a partir das 16h. Nos dias seguintes, a mostra segue com visitação aberta ao público até o dia 15 de agosto.
Aira é uma marca coletiva, que nasce da Associação das Mulheres Ribeirinhas de Santarém (Asarisan). Foram elas que transformaram o fruto da cuieira nos mais diversos produtos, todos produzidos de forma 100% natural, ressignificando um processo de criação passado de geração em geração, que se mantém usando apenas a natureza para chegar ao produto final.
As cuias, provenientes das árvores cuieiras, são pintadas com uma tinta que vem de outra árvore, chamada cumatê. As pinceladas são feitas com nada além de uma pena de galinha, e a lixa usada para acertar as bordas é a escama do pirarucu. O resultado de todo esse processo é tão especial que os modos de fazer cuias do Baixo Amazonas, no Pará, recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, e foi inscrito no Livro de Registro dos Saberes em 2015.
Linhas e formas que refletem o trabalho de gerações
A Asarisan, que mantém viva a tradição das cuias artísticas, foi formada em 2003, na comunidade de Aritapera, uma área de várzea que fica a uma hora e meia de voadeira partindo de Santarém. Lá, mulheres de cinco comunidades ribeirinhas (Surubiu-Açu, Cabeça d'Onça, Centro do Aritapera, Enseada do Aritapera e Carapanatuba) vêm trabalhando para salvaguardar a tradição das cuias.
A bióloga Rúbia Gorete Maduro, filha de uma das artesãs mais antigas da associação, conta que ao longo desses anos de existência, o grupo já teve excelentes conquistas, entre elas o registro da Aira, primeira marca coletiva do Pará. Desde então, elas tentam fortalecer ainda mais o trabalho.
“Recentemente a gente conseguiu aprovar um projeto dentro da Lei Aldir Blanc, voltado para o patrimônio material, mas dentre as principais ações, queremos o fortalecimento e o reconhecimento da marca. As artesãs têm buscado esse fortalecimento para que nos próximos anos elas consigam renovar o registro da marca e o próprio patrimônio cultural, registrado em 2015 pelo Iphan", explica Rúbia.
"Ela fazia todo o procedimento, mas não sabia fazer as incisões. Já minha tia, fazia todo o processo até finalizar com o grafismo, que não seria esse geométrico que fazemos hoje, eram florais”, conta dona Lélia, destacando que o processo começa com a escolha da cuia na cuieira. “Quando a gente olha para a cuia, já sabemos para que cada uma vai servir; para um vaso, uma tigela, uma travessa”, completa.
Dona Lélia se orgulha dos procedimentos que não comprometem a qualidade do resultado. “Esse é um processo que não agride a natureza, tudo dela é aproveitável. Não usamos nada industrial, tudo é o que a natureza oferece. Eu domino o processo do princípio ao fim”, conta.
A professora Luciana Carvalho, antropóloga da UFOPA que acompanha as artesãs de Santarém desde 2003, fala que a oportunidade de expor os produtos na capital é motivo de comemoração entre o grupo.
"Ter essa exposição no Espaço São José Liberto é uma alegria. Eu acho que marca um novo período promissor de reforço de parcerias antigas e criação de novas alianças. Eu vejo que esse momento é bastante especial, uma oportunidade de mostrar o trabalho na capital, num lugar que tem uma trajetória bastante reconhecida, um lugar super importante na cena cultural de Belém. É um bom sinal de um novo tempo, e que associação possa se fortalecer a partir da ampliação das suas redes de colaboração e dos canais de venda de seu artesanato, afinal, essas mulheres são artesãs e a atividade artesanal é uma importante fonte de renda para elas", destaca Luciana.
O primeiro contato entre as artesãs e a professora Luciana Carvalho foi em 1998, quando ela fazia uma pesquisa sobre uma cuia exposta no Museu do Rio de Janeiro. Desde lá o grupo só se fortaleceu, e em maio de 2003 formaram a Associação com cinco núcleos de produção. Em 2005 criaram e passaram a usar a marca Aira, a primeira marca coletiva do Estado do Pará.